segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Cena 4 - Quando as cortinas se fecham


(Algumas malas na porta de casa e uma mala vazia na cama. Pai fechando as cortinas, vasculhando gavetas, esvaziando-as. Helen Jovem, de costas, como na primeira cena, escrevendo em sua máquina de escrever.)

Helen Joven:
Sem cabimento. Fora de cogitação!

Pai:
Helen, por favor. Temos que ir agora.

Helen Jovem:
Eu não vou! Pai, eu tenho que terminar a minha tese em três dias. Não, acho que três horas. Meu deus, eu já nem sei que dia é hoje.

Pai:
Isso pode esperar. Você pode tentar no próximo ano. Não percebe a gravidade do que está acontecendo ao seu redor?

Helen Jovem: 
Como não? Eu vi a faculdade sendo invadida. Eu percebo que os professores desaparecem da noite pro dia. Claro que eu vejo e sinto tudo. Mas você pai... fugir, exilar-se, sair pelas portas do fundos? Isso não é do seu feitio, não foi o que você me ensinou... E além do mais, não é digno.

Pai:
O que você chama de dignidade eu chamo de ignorância adolescente. Ontem, na universidade, foi o diretor do seu departamento que sumiu. E antes de ser arrastado pelos corredores, os gritos, a aflição, as mentiras quase convincentes ecoavam por toda parte. Os nomes... ele vai dar nomes... Amanhã serei eu. É isso que você quer? 

Helen Jovem:
  Pai, foi só um livro. O que isso tem de tão errado? 

Pai:
Eu disse coisas nesse livro. Abri pequenas frestas para as pessoas olharem um cenário de liberdade, para enxergarem a luz e saberem que é possível voarem para buscar seus próprios Nortes.

Helen Jovem:
Falar sobre como podemos ser livres? Sonhar com o fim de uma era de escuridão e silêncio? Foi isso que você me mostrou a vida inteira, mas você nunca me disse que pra isso teríamos que fugir, nos esconder desse futuro de liberdade e paz. (O pai continua a arrumar as malas, vasculhar gavetas...) E por favor, abra essas cortinas. O pássaro... Você sabe que ele precisa de sol.

Pai:
Não filha, não te mostrei essa parte. Não queria isso pra você, pra nós dois. O fato é que aqui estamos, e aqui decidimos. Vamos Helen, comece a arrumar as malas. 

Helen Jovem:
O pássaro.

Pai:
Abra a gaiola, deixe ele livre. Ele voa e nós partimos.

Helen Jovem:
Não. Não definitivamente não. 

(Ouve-se batidas fortes na porta e gritos para abrir. Ouve-se também o pássaro como se fosse um grito de socorro.)

3 comentários:

  1. As quatro cenas estão muito boas! Na minha opinião você não perdeu o ritmo em nenhuma delas, ainda mais nestas que as ações de fato acontecem. As cenas estão empoeiradas, asfixiante... Já quero ver a próxima.

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  2. O presente da personagem é movido, mexido, chacoalhado pelo seu passado. Então as cenas do passado são onde a ação acontece. O tempo é totalmente aprisionado e imóvel no presente, já no passado tudo corre, tudo voa, e pressiona a personagem a agir, ou travar de vez.

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  3. O passado que insiste em bater à porta. O pássaro aprisionado. Muita penumbra em volta. O que será de Helen quando a luz do sol invadir o ambiente? Veremos...

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