quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Cena 7 - Um Voo Sobre as Planícies do Tempo

(Helen está deitada em sua cama, ao lado da mala de viagem aberta e ainda vazia. Apartamento ainda na penumbra.)


Pai, o fantasma
Vamos filha... Se mexa!


(Helen olha em direção da janela, atônita. Lá está o Pai. Ele abre uma parte das cortinas. É noite ainda, algumas luzes vindas de fora iluminam o quarto. Vê-se Helen Jovem, quinze anos, sentada à mesa tomando seu café da manhã, e olhando fixamente para a gaiola do Pássaro ainda pequeno. No mesmo quarto, passado e presente co-habitam)


Pai:
Helen, vai perder mais um dia de aula, parada, olhando esse pássaro? 

Helen Jovem:
Já vou. Coitadinho! Parece tão frágil. Será que algum dia ele vai poder voar, sem alguém para mostrar os primeiros passos? 

Pai: 
Ele nasceu sem que ninguém o ensinasse a quebrar a casca, não é? Mas estaremos aqui, eu e você, para ajudar o pobrezinho. Agora termine seu café. 

Helen Jovem:
Quem me ensinou a andar?

Pai:
Sua mãe... eu... Na verdade você caminhou sozinha. Nós te chamávamos e você vinha. Ou melhor, você tentava vir. Era engraçado, você levantava a cabeça, olhava a gente nos olhos, criava coragem, e vinha. Pernas bambas, corpinho mole, mas caminhava bem. Com coragem e sozinha.

Helen Jovem:
Eu vou ensinar o pássaro a voar!

Pai:
Como?


Helen Jovem:
Quando chegar o momento, quando ele estiver pronto...


Pai:
Helen querida, você pode até ensiná-lo a andar, mas voar...?

Helen Jovem:
Eu vou chamá-lo e ele virá. Assim como vocês fizeram comigo.

Pai:
Certo! Assim será! Imagine o que é voar... ( Pai caminha em direção de Helen do presente, mas sem vê-la ou tocá-la. Senta ao seu lado na cama.) A liberdade de se soltar no ar, flutuar sobre mares e planícies, e depois de tanto se admirar com a beleza do mundo, poder pousar no topo de uma montanha e descansar, sentindo o calor do sol nas suas asas. Imagine...


 Helen Adulta:
Sim.


Pai:
Você gostaria de voar Helen?


Helen Adulta:
Sim... Não suporto mais essa imobilidade, asas retraídas, esse silêncio, a indiferença do tempo que nos separa. Nunca consegui aguentar o peso do tempo que me esmaga... Pai... Qual é o custo das coisas perdidas, das pessoas deixadas pra trás?


(Ouve-se a buzina do ônibus escolar)


Pai:
Agora levante-se e vamos, querida!

Helen Jovem:
Um nome... Falta só um nome pra ele! 

Pai: 
(Abrindo algumas gavetas, procurando um casaco para Helen)
Você conhece a estória de Kinnara, um ser metade pássaro metade homem, que trazia em suas asas o brilho e o calor do sol? Alguns diziam que ele era mensageiro dos deuses, a ligação entre os homens e os seres divinos.

Helen Jovem:
Que nome estranho! Kinnara! Gostei...


(Helen Jovem, pega sua mochila e seu casaco. Na pressa de sair deixa cair seu casaco. Helen Adulta recolhe o casaco do chão, dobra e põe na sua mala de viagem.

Um comentário:

  1. Tá muito bom, parece que está tomando um rumo de definições. Tô quase indo aí para ajudar o pássaro a voar...
    Parabéns.
    Sérvulo Rocha

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