quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Cena 8 - Do que nos impede de estarmos livres

(Helen, de costas, sentada na cama. Aos poucos enxergamos Pai, o fantasma, segurando as mãos de Helen.)

Pai, o fantasma
"O conceito de liberdade está intrinsecamente ligado ao poder que cada indivíduo tem de escolher seus caminhos e tomar decisões, sem que algum poder maior, seja ele de ordem política, econômica, social ou moral, o oprima ou o impeça de fazê-lo."  

( Helen Jovem, à mesa, lendo os originais do livro do Pai. O passado é revelado mais uma vez aos olhos de Helen Adulta.

Helen Jovem:
Não entendo! Isso é utópico. Pai? Você se considera um homem livre?

(Silêncio)


Helen Jovem:
Você é livre, pai?

Pai:
Eu quero ser. Quebrar barreiras construídas com medos e frustrações, atravessar ondas escuras de sonhos ainda não realizados, transcender montanhas de pensamentos aprisionados. O que temos hoje é...

Helen Jovem:
O contrário disso.

Pai:
Mas se, nesses momentos de escuridão e aprisionamento do tempo... se conseguirmos preservar internamente nossa natureza libertária, nossos pensamentos alados, desejos que não dormem.., quando o momento chegasse...  

Helen Jovem:
Seríamos livres?

Pai:
A questão não é SER livre, e sim ESTAR livre. É transitório. O mais irônico da história é que SER alguma coisa, é exatamente o que nos impede de nos modificarmos, é um gesso que nos paralisa, é a casca do ovo ao nosso redor...

Helen Jovem:
Já o conceito de ESTAR sendo alguma coisa, naquele instante apenas, nos impulsiona para mudanças, rumando para um caminho de escolhas livres. É isso?

Pai: 
Podemos tentar descobrir. O que temos a perder?

Helen Jovem
(sentando na cama, ao lado de Helen Adulta, jogando os manuscritos do livro sobre a cama)
Tudo isso!

Pai:
Tudo isso, o que? Papéis rabiscados com nossas idéias? Elas ficam mais poderosas quando as levamos em nossas mentes. Livros empoeirados numa estante quase morta? Cortinas delimitando até onde nosso olhar pode ir? Sentiria mesmo falta de tudo isso?

Helen Jovem:
Kinara.

Pai:
Ser livre e Estar livre, Helen. Lembre-se da diferença. Ele É livre por natureza. Neste momento, Ele apenas ESTÁ sob nossos cuidados para se fortificar. Mas em breve ele mudará de estado, estará livre e escolherá ir ou ficar. Voar explorando o mundo, e se quiser, voltar para contar o que viu.   

Helen Jovem:
Papéis, livros, cortinas ficariam para trás e ele seguiria...

Pai:
E quando ele se libertar, você conseguiria seguir também?

(Helen do presente com os originais do livro do pai nas mãos, folheia e por fim, os coloca dentro da mala de viagem.)
   

2 comentários:

  1. A peça está bem visual... a dinâmica cronológica, os personagens, os diálogos, etc. Devo ter passado cinco minutos só construindo as imagens da cena em que ela mais velha recolhe a blusa, eu, com aquele coração que quietinho fica aos pulos. É belíssimo.
    Me recuso a qualquer crítica negativa, ainda que eu encontrasse algo que pudesse ser feito de outra maneira, ou que eu soubesse que está abaixo de sua capacidade, eu realmente não estou no nível para discutir a sua dramaturgia.
    Mais do que toda a ação da trama, o pássaro se destaca. O verdadeiro conflito é mais do que o tempo aprisionado, seguir ou não seguir... A liberdade... O coração sofre o tempo todo pelo pássaro, e ao mesmo tempo, o protege. Se a personagem pudesse voltar tudo do começo, até onde ela mesma quebra a casca, ela gostaria de ter sido protegida de todos os efeitos do tempo, dos aprendizados, do sol e do frio.
    Libertar... pra onde? pra que nova jaula? Pra quais perigos? Saberá voar?
    Lirtar como? O ama, e também precisa dele. Que liberdade estranha espera por todos? Helen, o pai, o pássaro...
    Parabéns pela peça dear... Estou no aguardo das próximas cenas.

    Beijos,
    Dann.

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  2. É a natureza humana. Como não temos asas, podemos fugir com o álcool, o sexo ou alguma outra obsessão. No caso de Helen, o passado insiste em bater à sua porta (aprisionando-a dentro daquele quarto). As lembranças deixaram muitas marcas nela.

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